Piscares e Passarelas – SPFW N58

Aos frios na barriga de primeiras vezes, atribuo meus deslumbres da 58ª edição da semana de moda brasileira, a São Paulo Fashion Week. E como acompanhantes confirmadas, primeiras impressões – impactantes e empolgantes. 

 

Sou de Algodão, via @agfotosite

 

Existe um abismo entre a moda que se observa e a moda que se vive; a expectativa, a exposição, as reflexões pós-desfile — todas ganham uma dimensão imensurável quando você está realmente lá. Eu compararia essa sensação à de assistir o show de um ídolo musical — estar em sua presença é reconhecer a realidade do deslumbramento.

 

Lilly Sarti @agfotosite

 

A experiência começa com a chegada dos convites, que atiçam a curiosidade; chegar, people-watch, encontrar seu assento; uma tensão vibrante reverbera enquanto se espera o cue vindo da trilha sonora. E então, que o show comece — roupas e acessórios desfilam pela passarela, pendurados nos corpos das modelos, a menos de 30 centímetros dos meus olhos. Como esculturas em museus, é quase irresistível cruzar a barreira invisível do comportamento adequado – não tocar, experimentar, vestir.

 

Weider Silveiro @agfotosite

 

A veracidade da expressão “para Inglês (ou Italiano, ou Francês) ver” possivelmente nunca esteve tão distante da moda brasileira – em qualquer variação de interpretação. Em uma era de fácil acesso à informação, as tendências desfiladas nas semanas de moda do hemisfério norte tendem a reverberar nas coleções mundo afora, mas não em São Paulo.

 

“Paraguaçu” de Handred @agfotosite

 

E, em alívio, a ausência de craftsmanship apressado, desleixado. As Jóias da Rainha (tema da edição em homenagem à Regina Guerreiro) são, talvez, as próprias criações apresentadas, verdadeiras obras de arte minuciosa.

 

"BRASILIANO" de Dendezeiro, via @agfotosite

 

Das mãos às cabeças, os chapéus (e suas variáveis) marcaram presença nas passarelas, transformando-se conforme as propostas de cada coleção. Na Herchcovitch;Alexandre, os chapéus apareceram como quasi-véus de crochê, fruto de uma colaboração com Matheus Igor (Sem Nome Ateliê). Já na Foz, acessórios de cabeça confeccionados em fibra de ouricuri, planta nativa do sul de Alagoas e produzidos pela Pontal Art, “mimetizam a força solar do Nordeste”. Enquanto isso, os chapelões exibidos pela Dendezeiro, que geram sombra, mas jamais dúvidas que produzirão refúgio suficiente de tal sol escaldante.

 

“O Conto de Laura” de Foz @agfotosite

 

Herchcovitch;Alexandre via @agfotosite

 

Carregando imenso peso estético, as bolsas também chamaram atenção. Inusitadas e divertidas, como o queijo-catupiry-em-alças de Herchcovitch;Alexandre, aos peixes amazônicos na Normando, onde o estilo definitivamente não fica nadando contra a maré; Etiquetada em amarelo, “DAVID LEE”, os fios pretos entrelaçados transbordavam em franjas, enquanto na Angela Brito, os “pouches” de couro chamam atenção pelas cores vibrantes.

 

“Vândalos do Apocalipse” de Normando @agfotosite

 

Nos pés, um ode ao chinelo de dedo – peça garantida em qualquer armário brasileiro, versatilidade infinita – cujo soar se intensificava ao aproximar-se de cada look na passarela, dividindo o espaço sonoro com a música de fundo. Tiras de pano e sola de borracha, as rasteiras Kenner dominaram o styling de David Lee, enquanto as clássicas Havaianas foram apresentadas com adornos em trançados de palha, na passarela de Catarina Mina.

 

“Herdeiras do Futuro” de Catarina Mina, via @agfotosite

 

“Grão” de Apartamento 03, via @agfotosite

 

E do pescoço aos tornozelos, os elementos principais da narrativa, as roupas, complementam as verdadeiras visões de celebração da diversidade e riqueza dos materiais e técnicas têxteis do nosso Brasil. As nuances terrosas, com um fundo de “natural", predominaram.

 

“Crioula” de Angela Brito, via @agfotosite

 

Marrom, bege, terracota e verde musgo se misturaram de forma sutil, evocando a paleta de cores do Cerrado, da Amazônia e das praias nordestinas. Dialogando entre si ou em conversa com os soturnos vermelho e preto, ou os vibrantes tons de amarelo e azul, os contrastes enriqueceram ainda mais os discursos visuais de cada coleção.

 

“Coração Suburbano” de Lucas Leão, via @agfotosite

 

Os crochês, desde as peças “balonê” de David Lee até os coletes e suéters with a twist de Lucas Leão, e nos vestidos apresentados no desfile de compilado de artistas, o Sou de Algodão. Seguindo a linha, mergulhamos de cabeça na imensidão de trabalhos em bordado; presentes nas estampas de Lilly Sarti, compondo os quadros-em-tecido apresentados na coleção “Paraguaçu” de Handred, relembrando o passado formativo da nossa nação nas frases da Apartamento 03. As miçangas, de açaí (Dendezeiro) ou reluzentes (Lino Villaventura).

 

“Leste Oeste” de David Lee, via @agfotosite

 

Lino Villaventura, via @agfotosite

 

As sobreposições ousadas (e.g. MARTINS) e a desconstrução de formas clássicas desafiaram convenções, ao mesmo tempo em que respeitavam profundamente o fazer manual e o valor das técnicas ancestrais. Em um encontro entre o passado e o futuro, vimos peças que, embora carregadas de história e herança, se apresentaram com um frescor contemporâneo, capazes de dialogar com o global sem jamais perder o caráter genuinamente brasileiro.

 Cada linha, cada fio e cada miçanga trazia consigo uma narrativa de resistência, reinvenção e orgulho.

 

“MAURICIO” de Rafael Caetano, via @agfotosite

 

Na São Paulo Fashion Week #58, minha primeira, as coleções desfiladas nas passarelas deram um show ao demonstrar com tanta ênfase o que é a moda no Brasil, a identidade refletida e homenageada de tantas formas criativamente distintas, mas inegavelmente complementares.

 

Agradeço, em especial, pelas oportunidades de respirar tais essências de perto à Martins e à David Lee, e, com tamanha ênfase, à brilhante Raquel André.

Já estou de olho na próxima!

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